terça-feira, 7 de setembro de 2010

Poesias de Pedro Bandeira

Vai já pra dentro, menino

Vai já pra dentro menino!
Vai já pra dentro estudar!
É sempre essa lengalenga
Quando o que eu quero é brincar...
Eu sei que aprendo nos livros,
Eu sei que aprendo no estudo,
Mas o mundo é variado
E eu preciso saber tudo! .
Há tempo pra conhecer,
Há tempo pra explorar!
Basta os olhos abrir,
E com o ouvido escutar.
Aprende-se o tempo todo,
Dentro, fora, pelo avesso,
Começando pelo fim
Terminando no começo!
Se eu me fecho lá em casa,
Numa tarde de calor,
Como eu vou ver uma abelha
A catar pólen na flor?
.Como eu vou saber da chuva
Se eu nunca me molhar?
Como eu vou sentir o sol,
e eu nunca me queimar?
.Como eu vou saber da terra,
Se eu nunca me sujar?
Como eu vou saber das gentes,
Sem aprender a gostar?
Quero ver com os meus olhos,
Quero a vida até o fundo,
Quero ter barros nos pés,
Eu quero aprender o mundo!

Por enquanto eu sou pequeno

Por enquanto sou pequeno
muita coisa ainda não sei
eu só sei que estou gostando
desse mundo em que cheguei
Não me apresse por favor
sei que ainda não cresce
mas veja que estou tentando
me espere que eu cheo aí

Nome da gente

Por que é que eu me chamo isso e não me chamo aquilo?
Por que é que o jacaré não se chama crocodilo?
Eu não gosto do meu nome,
não fui eu quem escolheu.
Eu não sei
porque se metem com o nome
que é só meu!
O nenê que vai nascer
vai chamar  como o padrinho,
vai chamar como o vovô,
mas ninguém vai perguntar
o que pensa o coitadinho.
-Foi meu pai que decidiu
que o meu nome fosse aquele
isso só seria justo
se eu escolhesse
o nome dele.
Quando eu tiver um filho,
não vou pôr nome nenhum.
Quando ele for bem grande,
ele que procure um!


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Poesias de Maria de Graça Almeida

Peixe

O peixinho prateado
No aquário, sempre o vejo
Bem me fita, o assanhado
Só querendo me dar beijos.
Sua boca um "oi" miúdo
Vai dizendo e isso é bom
Só o peixe nesse mundo
Fala "oi" sem soltar som.

Maria Mortalha

Cedo, deitou-se Maria, pronta pra logo morrer,
vestindo a alva mortalha, sem medo de adormecer.
Os olhos tanto mais fundos, coroados por olheiras,
cerravam-se moribundos, nessa hora derradeira.
Implorando-lhe ajuda, veio um moleque qualquer:
- Vó, apanha uma agulha, me tira o bicho do pé!
Servil, levanta a Maria, desvestindo a alva mortalha
e já mais morta que viva, do pé, o bicho estraçalha.
Volta, esvaída, Maria para o bom leito de morte,
quando lhe chega a nora , chorando a fome e a sorte.
Maria, do quarto, dormente, sai e aquece o fogão,
serve-lhe o leite fervente e duros nacos de pão.
Com a fome, então, saciada e o corpo fortalecido,
parte a jovem senhora com olhos agradecidos.
Maria, assim, novamente, põe-se no leito de palha,
julgando que, certamente, não mais tiraria a mortalha.
E eis que lhe chega a vizinha com um pote tosco à mão.
Queria do sal, só um pouco, que lhe salgasse o feijão.
Maria deixa o leito... que a Morte espere um instante...
pra atender a boa vizinha, ergueu-se, mesmo ofegante.
Bem cheio o pote de sal, a dona vai-se embora.
Maria, já fria, descora e aguarda, da Morte, a hora.
A Morte que vinha chegando, notou-a em pele ardente,
porém, percebeu que a lida, tornara Maria valente.
Vendo a mulher à espera, recolhida em seu leito,
ordena que se levante e atenda-a com medo no peito.
Maria coloca, surpresa, os olhos esbugalhados
sobre as vestes que a Morte trazia em trapos rotos, rasgados.
A Morte impõe, soberana: - Sobreviva só mais um dia,
ainda que condenada, cosa-me a capa, Maria!
E apontando-lhe as entranhas, ressecadas e vazias,
exige-lhe que, ao fogo, torne, o leite, que frio jazia.
Maria salta do leito, arranca a tal da mortalha
e sem mesura ou respeito, rebelde, à Morte, detalha:
- Em face aos desmandos alheios,
viverei mais um ano e meio.

Língua líquida

A líquida língua vaza!
Infiltra-se entre os dentes,
rompe os limites dos lábios
gotejando boca á fora
ou, entornando livremente...
Não há fronteira que a reprima,
não há limite que a contenha.
O dono da língua líquida,
possui ouvidos alados
que saem pelas orelhas,
lúcidos ou atordoados,
diretos ou de qualquer maneira
e colhendo informações
voam pra todo lado!
Temo essa língua por ela,
pelos ouvidos que a acompanham
e por todos ouvidos alheios
nos quais chega, sem medo,
a relevar os segredos.
Se uma dessas, liquefeitas,
vem molhar-me os ouvidos,
afasto-a rapidamente,
secando depressa o líquido,
temendo que tal proximidade
impune contamine-me a língua,
e que por momentos, instantes
ou pelo restante da vida
liqüefaça-a abundante, infame
larga, solta e incontida...

Uma casca de noz

Uma casca de noz rolou pela rua.
"Crash"...
sob os sulcos de um pneu,
lá se foi o último fragmento
do Natal rodando pela cidade.
Uma lasca "de nós" rolou pela rua.
"Trach"...
sob os olhos de um ateu,
lá se foi o último segmento
formal da falsa religiosidade.

O Rio

Rola o Rio adormecido e mudo,
em cochicho miúdo, absurdo!
Desliza em cochilos alados,
num leito molhado e cansado...
Rola o Rio em embalo trôpego
com sibilos roucos e sôfregos...
Verte um choro machucado,
benevolente ou irado
E rola descendo a serra
em desgraça ou benefício,
ora, mata a sede da Terra,
ora, afoga-a em desperdícios.
Incauto, ignora o Rio:
se a Terra assim o quisesse,
dele faria um só fio,
antes que a cheia viesse...

Vegetação espontânea

Invejo a independência
da vegetação espontânea,
que escolhe nascer
onde melhor lhe aprouver.
Não é, milimetricamente, planejada,
nem, exaustivamente, controlada.
Vive por viver, sem cobranças,
como e quanto quiser.
Habita jardins naturais
sem canteiros convencionais,
tem o céu por regador
e o sol por cobertor... ou não.
Larga-se livre e solta,
sem estacas, sem escoras,
deita as folhas ao chão
ou alto vai, céu afora...
Cava o próprio alimento
sem mistura ou complemento,
floresce sem norma ou padrão
e se espalha, lindamente,
sem limite, sem patrão...

Chegando e partindo

Ante minha face hirta,
pálida, envelhecida
há um túmulo
uma cruz fosca
torta e velha,
uma jarra
trincada,
uma flor amarela; única
flor; amarela e bela;
bela e única; única e
frágil; frágil e muda,
muda e bela,
a flor amarela,
em jarra trincada,
sob cruz torta, velha,
sobre um tosco túmulo,
atrás de minha nuca suada...

Leite com café

Sou garoto curioso,
 pra bem me instruir,
o que me é misterioso,
tento logo descobrir.
Sem certeza ou sem fé,
indago desde pequeno:
se a vaca bebesse café,
o leite seria moreno?


domingo, 5 de setembro de 2010

Poesias de Cecília Meireles

Meu Sonho 

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.


Motivo 
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada

Traze-me

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!

Timidez 

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
e um dia me acabarei.

Canção

Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
Serenata

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo ... "